domingo, 8 de junho de 2014

A insustentável leveza do não Ser (Mr Nobody).



Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”

  

Milan Kundera - A insustentável leveza do ser.






A questão das escolhas na vida sempre me fascinou. Desde a adolescência , época em que  li A insustentável leveza ser . A questão toma maior consistência na medida que envelheço e sinto que toda a vida é uma questão de se relacionar com tempo. Parece que na casa dos 30 as escolhas trazem um peso quase insustentável na medida que nos deparamos com nossa finitude. A angústia parece não ser da morte em si, mas fato da sensação de impossibilidades de recolher infinitamente em um tempo limitado em que toda escolha é uma aposta e não uma promessa de felicidade e satisfação. 

 Esses dias assisti Mr Nobody. É um filme que fala sobre escolhas. São as escolhas que moldam a vida, que a fazem avançar, menos para Nemo Nobody, ao que parece.Jared Leto é o protagonista de Sr. Ninguém, filme de Jaco Van Dormael, de 2009.Tudo acontece num futuro não muito distante, onde Nemo é o homem mais velho do mundo e é o último mortal a conviver com as pessoas imortais. Ao longo de cerca de duas horas e meia de filme,Nemo irá relembrar os seus anos reais e imaginários, de infância, adolescência e casamento.A grande sacada do filme é que ele se passa inteiro na imaginação de uma criança. Nemo se vê em uma situação onde tem que fazer uma escolha impossível, dolorosa e angustiante. Ele tem que escolher se vai querer ficar com o pai ou com a mãe depois que os dois se separam. Ele então começa a viajar em sua imaginação tentando criar e recriar todas as possibilidades futuras que essa decisão poderia causar. Ele se imagina com várias esposas/namoradas, vários empregos, enfim várias vidas diferentes. As coincidências sucedem-se em todas as possibilidades de vida a que assistimos, e as escolhas parecem ter sido sempre impossíveis para este homem de 118 anos. Para quê e por quê escolher?Nemo Nobody faz-nos crer que podemos ter tudo, sem precisar de optar. Contudo, e no meio de muita estranheza, a lógica nunca se perde.


No inicio do filme veio a sensação  do peso de cada escolha e a responsabilidade sobre as conseqüências, mas que ao longo dele surgiu um outro aspecto mais evidente sobre o tema: a sensação que as escolha não importam tanto assim, pois ha algo que é anterior: independente das nossas escolhas,o desfecho nunca é do jeito que desejamos. A vida nos  traz surpresas e nós, apesar das escolhas, nos vemos diante da única possibilidade para seguir adiante em paz  : a aceitação da vida como ela é." Na vida só temos um take, se estiver mau temos de o aceitar" diz alguém a Nemo Nobody a certo momento. A aceitação implica diretamente na percepção da incapacidade de se controlar a vida. Além disso, não existe escolha certa ou errada, não existem escolhas perfeitas, o que de fato existe é a vida imprevisível  com seus fatos, sonhos, sintomas, fantasias e delírios, que muitas vezes nos revela misturadas dificultando separar ate o que é real ou não. E no final, para que se preocupar tanto com escolhas se tudo nos leva ao mesmo caminho: a morte?. Essa questão me  dá inicialmente a impressão da insignificância de nossas escolhas diante da única coisa real, a certeza da morte. Mas falar sobre morte  nos convida a pensar na vida, no peso da existência.  Assim, eis paradoxo de Milan Kundera: o peso ou a leveza? o peso das escolhas e suas conseqüências eternas ou leveza diante da noção de nossa pequenez e fragilidade? Qual o caminho da felicidade? Sinto que não existe a equação da felicidade como alguma escolha a se tomar , mas mais algo como se posicionar diante da existência (ou da não existência) .A busca por uma escolha que trará a felicidade é justo o que nos torna infelizes. Percebermos que somos esse paradoxo, e o desafio consiste em aceitarmos ele como manifestação da vida como ela é. Quanto mais alta é e galhos tem a árvore, mais profunda são as raízes. Quanto maior a luz, maior a sombra. A afirmação da vida está na sutileza de reconhecer-se como parte dessa natureza, onde nada existe mas tudo é. Este sim, é perfeito.